No monótono bairro operário
a velha espreita pelos óculos gastos
na janela das águas furtadas
durante os intervalos do tricô
espreita por detrás de cortinas
esforçadamente brancas
de elaborada renda
partilha a vidraça com um gato dourado
malhado
e um vaso de flores
amarelas como a fome
de madrugada
ainda o dia dormita
a velha observa o habitual,
um carreirinho de formigas humanas
de fato-macaco
lancheira na mão
a descer laboriosamente
a ladeira
e ela faz tricô, aos poucos
como quem acabou de dar assentimento
para recomeçar a azáfama quotidiana
de uma nova segunda-feira
no bairro operário.
Palmela, Julho de 2008
© Brissos Lino
Sob o título de “ver o mundo dos homens”, indiquei este bom poema no Papéis na Gaveta.
Um abraço
Inspirei-me nas memórias do bairro onde nasci, em Lisboa: o Alto do Pina.
Abraço.