O problema do mal – I

O problema do mal é talvez a questão central na economia da Salvação e na relação do ser humano com a transcendência. Problema esse que tanto a filosofia com a teologia e outras disciplinas do saber têm encontrado dificuldade em desvendar cabalmente.
Enquanto a filosofia resolveu aparentemente a dificuldade através do optimismo antropológico exacerbado, criando o culto do ser humano, a exaltação humanista, a teologia cristã esbarra com a doutrina do chamado Pecado Original.

Considerado incontornável para explicar a universalização do mal, o Pecado Original também serve de base para a teologia do sacrifício, sendo que Cristo foi crucificado para aplacar a maldição de Deus que repousa sobre a raça humana desde o pecado de Adão. Coisa que constitui escândalo para Saramago, no seu “Evangelho de Jesus Cristo”, e para muitos outros intelectuais e pensadores que não se identificam com a área cristã.
Foi o cristianismo ocidental que forjou inicialmente esta ideia, pela mão de Agostinho de Hipona, que lhe deu também o nome, que é extra-bíblico.

Segundo Gondim: “Quando Pelágio o enfrentou nessa questão, Agostinho  ganhou o duelo. Os debates que envolviam liberdade e depravação definiram a teologia desde então. Já ouvi alguém afirmar que depois de Santo Agostinho, tudo o que se escreveu sobre a antropologia cristã não passa de nota de rodapé. Não é preciso dizer que Pelágio desceu no ralo da história como herege e Agostinho virou santo.”

Santo Anselmo ajudou à festa, mais tarde, e o reformador alemão Martinho Lutero veio a inspirar-se no apóstolo Paulo, em especial na Epístola aos Romanos, para construir a sua teologia da graça.

Mas a coisa não ficou por aqui. Os puritanos ingleses e os calvinistas holandeses carregaram ainda mais nas tintas e levaram esta doutrina ao extremo, defendendo a ideia da dupla predestinação. Deus teria criado alguns para se perderem e caírem no inferno e outros para a salvação e as bem-aventuranças do céu. Profunda injustiça determinista…

Mas faz sentido questionar uma tradição teológica cristã tão firmemente estabelecida desde Agostinho? A meu ver não só faz sentido discutir o pressuposto, como entendo que deve mesmo ser discutido, por imperativo teológico, para o aprofundamento da fé, por algumas razões que podemos considerar suficientemente relevantes.

(Continua)

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