Novo livro de poemas de José Brissos-Lino, em versão digital

Ânsia de eternidade caP ok

Pode fazer o download gratuito do livro pelo site Google Drive, CLIQUE AQUI.

 

A presente obra reúne um conjunto de pequenos poemas dispersos sobre
temática espiritual e religiosa, escritos ao longo de alguns anos e ainda não
publicados em livro. 

As questões da fé e da eternidade, a revisitação de figuras, imagens e episódios bíblicos, em particular os tocantes às temáticas da transcendência e da relação com Deus, pairam claramente sobre a paisagem poética aqui apresentada, assim como alguns exercícios livres de meditação ou elevação (chamemos-lhe assim).

No fundo trata-se do discurso poético de um homem de fé, desenvolvido mais em jeito de reflexão pessoal. E o que é a Poesia senão isso?

Como bem dizia Miguel de Unamuno “acreditar em Deus é antes de mais e sobretudo querer que ele exista” (Do Sentimento Trágico da Vida, 1913).

É por isso que esta obra pode constituir inspiração significativa para quem for capaz de a saber ler, e elevação espiritual para quem aspira à eternidade e sente que ela está a passar por aqui.”

(da Abertura)

“Tem sido a «luta» das  mulheres  a  contribuir para a  mudança  também  das vivências religiosas” 

dav

 

A Amadora recebeu esta 4ª feira7 de marçona Biblioteca Fernando Piteira Santos, conferência “Religiões e IdentidadesContributo ou obstáculo para a Igualdade de Género?”  

“A Igualdade de Género não é a dissolução das características do género”, defendeu o pastor protestante José Brissos-Lino, diretor do mestrado em Ciência das Religiões da Universidade Lusófona. Brissos-Lino reconhece que o “cristianismo sempre teve dificuldade em lidar com a sexualidade e, portanto, com a mulher”, mas que “a teologia cristã não permite a discriminação de género”. Em S. Paulo “não há macho nem fêmea” para Deus e nos primeiros tempos havia mulheres a liderar comunidades cristãs. 

Igualdade de Género é um dado “nos evangelhos e na vida de Jesus”, acrescentou o padre jesuíta José Maria Brito. Sobre o acesso da mulher ao sacerdócio na Igreja católicaconsiderou que “o debate tem sido feito mais pela dimensão do poder“, quando o sacerdócio é, “a exemplo de Jesus”, um serviço de responsabilidade transversal.  

O padre jesuíta e diretor do site Ponto SJ acredita que pode não estar longe a existência de diaconisas na Igreja, mas o eventual acesso da mulher ao sacerdócio, “a acontecernão será na nossa geração“. 

A perspetiva dos textos islâmicos sobre a mulher foi apresentada por Filomena Barros. A professora de história do Islão e da Linha de Investigação em Género e Religião da Lusófona, lembra que os textos sagrados “devem ser colocados no contexto de quem os escreveu” e há que diferenciar as leituras sagradas, “necessariamente sujeitas à exegese”, das construções social, cultural e politicamente desenvolvidas a partir delas. 

O que se verifica é muito diferente deste exercício exegético, embora “a realidade islâmica seja muito diferenciada”. Há países de maioria islâmica que têm ou tiveram mulheres como chefes de estado. No contexto do tempo, e em relação ao judaísmo, exemplifica a historiadora, o “Alcorão é um passo em frente na dignificaçao da mulher, tem uma Sura dedicada às mulheres, outra a Maria, e usa nalgumas partes o masculino e o feminino – «os» muçulmanos e «as» muçulmanas”. 

As mulheres tinham um papel relevante no início do Islão, mas mantiveram um obstáculo: “o conceito de pureza e impureza“, agregado ao sangue. A mulher carrega ainda este estigma e a religião mantém os rituais de purificação como elemento diferenciador e/ou segregador. 

Num testemunho pessoal, Saroj Parshotam admitiu que a mulher ainda transporta estigmas também entre hindus e recordou que, quando nasceu, houve gente na família que lamentou ser uma mulher. Esta situação é mais cultural e de organização social que religiosa, apesar de alguns textos que constituem as narrativas sagradas do sanatma dharma aparentem substimar a mulher. “No tempo dos Vedas havia igualdade entre homens e mulheres”, diz Saroj. Embora possa cultural e socialmente não parecer, “os hindus respeitam muito o papel da mulher na comunidade”, destacando-se sobretudo “o papel da mãe, a sabedoria da mãe que domina a família hindu e é respeitada acima de todos”. Há na tradição mitológica e filosófica hindu uma dimensão feminina sem a qual não se compreende a própria vida. É a shakti, a “força” ou “energia” que dá operacionalidade à existência e ganhou forma de divindade feminina. 

O debate sobre Igualdade de Género “não foi trazido à praça pública pelas religiões, mas como oposição ao pensamento religioso”, acrescentou Filomena Barros. José Brissos-Lino admitiu que o “cristianismo tem sido um obstáculo, mas a fé cristã é um contributo para a Igualdade de Género”.

O padre José Maria Brito defendeu a perspetiva católica, segundo a qual o debate é difícil quando o conceito de Igualdade deriva para a Ideologia da indiferenciação sexual, porque homem e mulher, “na perspetiva bíblica, são criaturas de Deus” em complementaridade. “O que sou não é tudo inventado por mim”, concluiu. 

 depois do debate, o moderador Joaquim Franco, investigador em Ciência das Religiões e coordenador do Observatório para a Liberdade Religiosaverificou que, “em contexto religiosonomeadamente o católicoconfunde-se por vezes Igualdade de Género com Ideologia de Género e, rejeitando esta, que é ainda um campo indefinido e culturalmente complexo quem persista em velhos argumentos para dificultar o caminho da igualdade, que passa pelo direito à igualdade nos acessos“. 

Embora sejam um desafio às religiões, “que devem repensar e reconsiderar o papel da mulher para garantir a dignidade em igualdade“, defendeu Joaquim Franco, “os grandes problemas no campo da Igualdade de Género não se localizam hoje nas religiões, que podem até ser aliadas neste processo“, sublinhou a historiadora Filomena Barros, lembrando, a propósito, que “a crescente violência doméstica não é um problema religioso” e pode até ser combatida com a ajuda das religiões. 

Num comentário final ao debate, a Conselheira para a Igualdade na Amadora defendeu que a raiz do problema não está nas religiões, mas na forma como homens e mulheres se organizam e relacionam para o exercício do poder“. Lurdes Ferreira recordou ainda assim que “tem sido a «luta» das mulheres a contribuir para a mudança também nas vivências religiosas“. 

Este foi o segundo de um ciclo de debates a realizar mensalmente na Amadora, no âmbito d’O Mundo na Amadora – Religiões e Culturas em Debate, um projeto de parceria entre a Câmara Municipal da Amadora e a Área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona. 

próximo debate realiza-se a 4 de abril, sob o tema Religião e Políticauma relação (im)possível?, com a participação de políticos(as) e religiosos(as). 

JF

dav

“Nenhum livro da Bíblia foi escrito para ser relativizado”

lb

O fascínio que a Bíblia tem provocado no classicista Frederico Lourenço levou-o a apresentar um conjunto de textos sobre as suas leituras pessoais da Escrituras. Facilitado pelo seu profundo conhecimento do grego em que foi escrito o Novo Testamento e a Septuaginta, apesar de não ser um teólogo, FL tece um conjunto de interessantes reflexões sobre passagens, temas e figuras bíblicas. Leituras que são suas e com as quais podemos concordar ou não.

Medo de quê?

500x

Uma obra que, não sendo exaustiva, desmonta o machismo dominante nos meios eclesiásticos.  Escrito por um consultor pontifício para o diálogo ecuménico, fundador e prior duma comunidade monástica (e não por uma mulher!) põe a nu o pecado milenar da igreja cristã contra as mulheres (ed. Guerra e Paz, 2017).

O vazio cultural

ref

Hoje, na Livraria Bertrand do Alegro Setúbal, perguntei porque motivo não havia um único livro exposto sobre a temática da Reforma, no dia em que se celebram 500 anos do seu início, um movimento religioso, cultural, social e histórico que mudou a face da Europa e o mundo. Não me souberam responder.

Motivos, há muitos, seu palerma, disse para comigo. É que já quase não há livreiros, apenas vendedores de livros… Por outro lado continuamos a ver a Reforma como coisa estrangeirada. Por isso se torna ainda mais oportuno este congresso:

cartaz conglutero

Na casa do Pai, longe do Pai

Dentro de casa, longe do Pai

 

Lucas, XV, 11

 

Com os relógios desencontrados e os fusos

Horários diversos em cada coração, cruzavam

Os corredores da casa, poderiam até cruzar

À mesma hora, mas estavam longe

Poderiam amar, mas em frente ao próprio rosto

No espelho, tinham o mesmo pai mas

Perderam-se dele no trânsito dos olhos

Para o único amor, amarem-se a si mesmos.

 

01-09-2017

© João Tomaz Parreira

Eclipse: “Um vislumbre da eternidade”

ecl

Quanta distância vai da belíssima frase “o eclipse deu-me um vislumbre da eternidade” da viúva dum velho pastor português, que viveu e pastoreou na América, ao terrorismo psicológico da filha dum famoso evangelista americano, ao afirmar que o fenómeno celeste era um aviso do juízo divino sobre os Estados Unidos, como punição pelos pecados da nação, ou aos que associaram o eclipse à Parousia (quando a Bíblia diz que ninguém sabe o dia nem a hora!), ou mesmo ao fim do mundo, como outros vaticinaram. Que distância entre a sabedoria de vida e a necessidade de impressionar e manipular.

 

Franklin Graham prestou um mau serviço à América

Trump-Graham-640x480

 

Lamento, mas não posso continuar calado.

Quando os nacionalistas brancos marcharam nas ruas de Charlottesville a destilar ódio, agredir e matar, Graham resolveu culpar o governador e quem decidiu a remoção de um monumento racista da cidade, com o argumento de que “deveriam ter sabido” que a decisão não seria popular entre a extrema-direita.

O filho de Billy Graham aponta o dedo constantemente aos autores de ataques terroristas quando são muçulmanos, acusando todo um sistema de crença islâmico e afirmando que “estamos em guerra com o Islão”. Mas desta vez tentou a habilidade de condenar toda a gente menos os arruaceiros e assassinos supremacistas brancos, ou a ideologia nacionalista anti-cristã que professam.

E acrescentou que fazer a ligação natural entre a ideologia de Trump e a dos terroristas de Charlottesville (não lhes chamou assim, como é evidente!) é simplesmente uma tentativa de “Satanás dividir os cristãos”, numa altura em que Trump está a perder grande parte do apoio das igrejas.

Mas todos sabemos que os supremacistas brancos integram a base de apoio político do presidente. Daí ele ter resistido a condená-los, durante dois longos dias, só o fazendo depois de ter sido alvo de duras críticas de toda a classe política, incluindo do seu partido e de ter visto vários colaboradores seus demitirem-se em protesto, na Casa Branca.

A ideologia essencial destes grupos (Ku Klux Klan, alt-right, neonazis, movimento nacional socialista ou Partido Americano da Liberdade) é a de que a raça branca é superior a todas as outras e, por isso, deve dominar a sociedade. O KKK, por exemplo, nasceu em meados do século XIX num Sul que não aceitava a derrota na Guerra Civil americana e o fim da escravatura.

Ora, tal filosofia é profundamente anti-cristã e anti-bíblica, como é bom de ver, e chegou a dividir a poderosa Convenção Baptista do Sul há uns meses.

Os criminosos de Charlottesville vieram descrever publicamente Heather Heyer, a mulher brutalmente assassinada por um jovem nazi, admirador de Hitler, como “uma vadia gorda de 32 anos e sem filhos”. Segundo o DN, a declaração em questão dizia que “muitos estão felizes por Heather ter morrido porque ela era ‘a definição da inutilidade’ e um fardo para a sociedade por não ter filhos – mulheres sem filhos são buracos negros que sugam dinheiro e energia”.

É tristemente curioso ver como Franklin Graham, enquanto líder espiritual americano de relevo, não é capaz de ter uma única palavra de condenação para este tipo de comportamentos, preferindo apoiar cegamente um presidente sem valores nem ética, e cobrindo assim de vergonha todo o povo cristão americano.

E a mim também.

 

O meu amigo Luís Gonzaga lembrou oportunamente que em 1943, o departamento de guerra dos Estados Unidos lançou este vídeo para dizer aos americanos que rejeitassem a retórica fascista. 74 anos depois, este vídeo é profundamente actual. Lembremo-nos todos de que, como escreveu Edmund Burke: “tudo o que é necessário para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada”.

 

Dos touros de Lascaux ao cavalo de Guernica (inédito de J.T.Parreira)

Dos touros rupestres de Lascaux, com a sua semiologia, ao cavalo germinal e ao touro tutelar da Guernica, de Picasso, a distância é longa, de facto, e seria de anos-luz se estivéssemos a tratar meios comunicacionais entre galáxias diferentes. A verdade é que essa comunicação apresenta-se com sinais da mesma entidade, o ser humano, que comunica entre si num mesmo lugar que é a Terra.

Resultado de imagem para touros de Lascaux

Com efeito, estamos diante dos sinais do homem, desde as grutas de Lascaux, onde a riqueza dos signos convoca o estudo dos mesmos pela semiótica, até ao Centro de Arte Reina Sofia, onde a Guernica continua a fazer recuperar uma história trágica da Espanha e dos seus povos, história contemporânea e viva ainda em inúmeras memórias septuagenárias.

Resultado de imagem para cavalo0 de guernica

Os contemporâneos de Lascaux, como quaisquer outros habitantes de cavernas do Paleolítico, conheciam o que hoje modernamente se pretende ignorar: a distinção dos géneros, do masculino e do feminino, eles não trocavam nem promiscuíam a beleza da humanidade composta de mulher e homem. O seu conceito de família era rigoroso, os meios usados para a procriação estavam bem definidos e bem representados, com a precisão simbólica que a capacidade artística para o desenho na pedra permitia. O símbolo fálico do homem e os símbolos ovais para representar a mulher não se misturavam nas paredes das cavernas. Seria uma arte da animalidade, como se lhe chamou, mas a sua leitura semiológica – a interpretação dos sinais – nesses desenhos eram o símbolo do homem e da mulher, do pai e da mãe, eram a representação do núcleo fundamental que é a família.

Resultado de imagem para touros de Lascaux

Os impedimentos para a depravação entre homens e mulheres estavam até graficamente delimitados, a viagem intergaláctica de Sodoma para Roma, através de muitos séculos de maus costumes, não está documentada graficamente como um historial de sentimentos reprováveis e sórdidos. O que a chamada arte parietal, as gravuras nas paredes das cavernas, distinguia, o macho e a fêmea nos seus devidos lugares, milénios depois viria a ser normativo na Bíblia Sagrada. Designadamente nas Cartas de Paulo – a Epístola aos Romanos – onde as paixões infames, a mudança do modo natural das relações íntimas, as inflamações da sensualidade orientadas para o mesmo sexo, são identificadas pelo apóstolo já numa cultura a meio-caminho entre o clássico e a modernidade, comparativamente à época pré-histórica.

Com efeito, Paulo impreca os não-crentes, os ímpios, que supondo serem sábios, com cultura, enveredaram por descaminhos de perversão, sobretudo sexual, contra a própria natureza da intimidade humana, na relação homem-mulher. Sob a luz que ilumina o modo como o homem se perverteu e desviou da correcta adoração a Deus, submetem-se também os desvios dos instintos correctos com os quais o ser humano foi dotado. Alguém escreveu, em comentário de uma Bíblia de Estudo, que “o efeito da perversão da adoração instintiva a Deus é a perversão de outros instintos, que se afastam de suas funções apropriadas. As Escrituras encaram todos os actos homossexuais sob essa luz. A consequência é a degradação do corpo.”

A desintegração daquilo que é verdadeiramente “natural”, parecendo ser um produto da cultura e das sociedades urbanas, altamente desinibidas na contemporaneidade, é, portanto, fruto do desvio do homem em relação a Deus.

© João Tomaz Parreira

Cinco elefantes e um camelo

 

A famosa hipérbole utilizada por Jesus Cristo sobre o camelo passar pelo buraco duma agulha pode ter sido influenciada por um provérbio grego, bem mais antigo, e que terá sido transmitido por Adamâncio no Physiognomonicon:

“Mais facilmente se esconderiam cinco elefantes sob uma axila do que alguém de costumes infames (pathicus)”.

Este tipo de figuras de estilo enquadrava-se perfeitamente no discurso do Mestre, e ele utilizou-as abundantemente, pois permitia-lhe ser entendido por gente culta e indouta, judeus ou gentios, de todas as idades, género, culturas e etnias.

“Porque é mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.” (Lucas 18:25)

A importância do episódio revela-se pela atenção que lhe dedicam tanto Lucas como os outros evangelistas autores dos sinópticos: Mateus (19:24) e Marcos (10:25).

Qualquer análise à frase em si mesma resulta numa impossibilidade. Assim como não se podem esconder “cinco elefantes sob uma axila”, também será impossível “entrar um rico no reino de Deus”. Ou “no reino dos céus” (Mateus 19:23).

Ao longo dos séculos tentou-se “amaciar” o sentido do texto. Para isso recorreu-se à interpretação do termo “camelo”. Que seria a Porta do Camelo, uma porta muito baixa em Jerusalém, que obrigava as pessoas a curvarem-se para a passar, significando que um rico poderia entrar no reino de Deus desde que se humilhasse.

Outros afirmaram que o tal “camelo” seria o cabo de sisal de amarração dos barcos, o qual, sendo pacientemente desfiado, passaria fio a fio pelo buraco da agulha. Ou seja, seria muito difícil que um rico acedesse ao reino mas não impossível.

O termo grego kámelos (κάμηλος) significa exactamente o nosso camelo-animal, do latim camelus. Em Marcos 10:25 e em Lucas 18:25 a palavra usada é kámelon (κάμηλον), referindo-se claramente ao animal. Vem do termo hebraico gamal (למג), usado para identificar aquele mamífero ungulado nosso conhecido (Camelus Bactrianus). E o termo grego para agulha éraphís (ραφίς), aquele objecto utilizado na costura, com a especificidade de Lucas usar o termo belónes (βελόνης), que significa agulha cirúrgica.

Portanto, nenhuma destas interpretações satisfaz, nem vem na linha da impossibilidade prática para que aponta a hipérbole. De facto nem se podem esconder elefantes numa axila, nem um rico pode entrar no reino de Deus. Não, não se trata de discriminação, nem de inveja social. Um rico não pode entrar no reino tal como um pobre também não pode, nem um remediado.

Porquê? Então quem entra?

É simples. Ao sermos acolhidos no reino de Deus deixamos pelo caminho todos os factores de distinção social. Deixamos de ser ricos ou pobres, feios ou bonitos, gordos ou magros, pretos ou brancos, cultos ou indoutos, homens ou mulheres, crianças ou velhos. Somos apenas seres humanos totalmente iguais em dignidade perante Deus e o próximo, pois Ele não discrimina pessoas: “Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas.” (Romanos 2:11).

As barreiras entre seres humanos são construídas por nós e não podem subsistir no reino de Deus, que se pauta por outros valores e filosofia. Jesus de Nazaré nasceu numa manjedoura, sendo adorado pelos anjos, por pobres pastores e por abastados sábios vindos do Oriente. Todos convergiram sobre aquela estrebaria precária.

O Eterno fez-se “rei dos judeus” e, sendo homem, abriu a porta para que todos os homens pudessem entrar no seu reino, sem ter que pagar qualquer espécie de portagem.

José Brissos-Lino

Nada de misturas

 

Numa democracia madura, a vida política – seja ela enquadrada em partidos ou numa condição de independente – deve ser completamente alheia ao envolvimento pessoal dos líderes religiosos.

Em particular quem tem a seu cargo a direcção espiritual de comunidades locais de fé, ou de grupos específicos de fiéis, não deve candidatar-se a cargos públicos electivos, sejam eles de dimensão local, regional ou nacional.

Há uma razão ética de fundo. Não é razoável que se utilizem os púlpitos (ou outras posições de relevância comunitária religiosa) para influenciar o sentido de voto dos crentes.

Por exemplo, o que se tem vindo a passar no Brasil, desde há uns bons anos a esta parte, é suficientemente horrível e esclarecedor, com os famosos currais eleitorais e a corrupção que impera na chamada bancada parlamentar evangélica, mas também a manipulação descarada que se verifica.

Não só os pastores-deputados – que foram eleitos pelo povo – estão lá para favorecer essencialmente as suas organizações, em vez de representarem todo o seu círculo eleitoral, como não se distinguem dos demais parlamentares no domínio da ética, ou da falta dela.

Por tudo isto, foi com muito agrado que tomei conhecimento da resolução tomada recentemente por uma estrutura religiosa do estado de Alagoas (ler em baixo), que me parece muito bíblica, sensata e adequada. Surge decerto como reacção à imensa podridão reinante no país e que está a destruir o prestígio e bom nome da igreja evangélica brasileira. Um bom exemplo, que poderia ser seguido.

JB-L

RESOLUÇÃO 004/2016 – IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE DEUS NO ESTADO DE ALAGOAS

Maceió – AL, 05 de julho de 2016.

A presente resolução disciplina os procedimentos a serem adotados nos pleitos eleitorais em relação aos Ministros Candidato, disciplinando as propagandas eleitorais.

Art. 1º. Esta IGREJA é ciente de que todo cidadão pode votar e ser votado.

Paragrafo Primeiro. A IGREJA declara que tem ciência de que as autoridades que exercem funções que possam desequilibrar a igualdade de concorrência eleitoral seja cargo publico ou privado, devem se desincompatibilizar de suas funções no período eleitoral conforme determinação da Lei 9.504/97, estendendo-se a desincompatibilização aos obreiros.

Paragrafo Segundo. Entende-se por obreiro todos os que exercem liderança, seja de campos eclesiásticos e congregações como dirigentes de filiais, de círculos de oração, de mocidade, dos departamentos, de grupos de louvor, de grupos de oração, dentre outros.

Art. 2º. Os Ministros que recebem prebenda da Organização Religiosa terão suspensas suas rendas eclesiásticas, visto que outro Ministro será empossado em sua função e fara jus ao recebimento da prebenda.

Paragrafo Primeiro. A presente decisão surge, porque o Ministro escolheu de livre e espontânea vontade ser candidato, não sendo iniciativa nem interesse da Igreja, portanto a Igreja não tem obrigação de continuar fornecendo a prebenda.

Paragrafo Segundo. Considerando que o Ministro candidatou-se por sua própria escolha e risco, a COMADAL e a IGREJA não terá nenhum compromisso financeiro com o candidato Ministro durante o período eleitoral e pós-eleitoral.

Paragrafo Terceiro. Quanto a voltar a dirigir Filiais, ficará a critério das Mesas Diretoras da IGREJA e COMADAL reintegrarem-no quando houver oportunidade e ainda, se o Ministro permanecer cumprindo com os ditames da Bíblia Sagrada e das normas que regem a COMADAL e a IGREJA.

Paragrafo Quarto. Sendo o Ministro eleito, não poderá reassumir direção de filiais e congregações.

Art. 3º. De acordo com a Legislação Eleitoral vigente, o Ministro que se candidata não pode se utilizar do culto, do templo e das demais dependências da Organização Religiosa para promover propaganda eleitoral de qualquer natureza.

Art. 4º No tocante ao Ministro assumir cargos a frente de secretarias de governos municipais e estaduais, serão aplicadas as mesmas regras atinentes às candidaturas.

Art. 5º. Concernente as autoridades que aparecerem em nossos cultos e liturgias, deverão ser honradas e apresentadas como autoridades e não como candidatos, sendo vedado no período eleitoral conceder oportunidade as autoridades de fazer uso da fala nas reuniões e cultos, enquanto candidatos.

Art. 6º. Os casos omissos nesta resolução referentes às matérias eleitorais serão tratados pelas Diretorias da IGREJA e COMADAL respectivamente, bem como pelo Conselho Consultivo e de Ética.

Publique-se e Cumpra-se.

______________________________________________________________

IGREJA EVANGELICA ASSEMBLEIA DE DEUS NO ESTADO DE ALAGOAS

Reverendo Dr. José Orisvaldo Nunes de Lima, Presidente

Lidice Ribeiro: “Tanto o secularismo como a religião podem tender a posturas fundamentalistas”

 

Aproveitando a sua presente estadia em Portugal conversámos com a Prof. Doutora Lidice Meyer Pinto Ribeiro, docente e investigadora na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, a propósito de alguns temas na área da ciência das religiões e do cristianismo em particular. Foram abordadas questões como o regresso à fé, os “desigrejados”, o envolvimento de cristãos na política, o pensamento pós-moderno e o neo-pentecostalismo.

 

Há mesmo um regresso à fé no mundo actual, como defendem alguns autores, ainda que eventualmente duma forma mais difusa e autónoma das estruturas religiosas?

Sim, há um aumento de espiritualidade no mundo moderno, o que não implica aumento da pertença a igrejas. A sede de espiritualidade é um fenômeno característico de nossa época. Lado a lado às religiões tradicionalmente reconhecidas há o crescimento de espiritualidades laicas, que não se enquadram no que pode ser classificado como igreja. A religião continua presente na vida do homem pós-moderno.

Como já afirmava o historiador das religiões Mircea Eliade, o homem é acima de tudo, Homus religiosus. Apesar da secularização, do individualismo crescente e da globalização, a modernidade não causou um recuo da religião, mas uma nova forma de exercício da dinâmica religiosa. O homem continua a buscar respostas para o mundo de incertezas em que vive, mas estas respostas não são necessariamente encontradas apenas “no seio de uma tradição imutável ou mediante um dispositivo institucional normativo” (Frédéric Lenoir).

Continuar a ler aqui.

 

Ressurreição: a derrota do império da morte

 

ressurreição

 

Não bastava a Jesus de Nazaré sofrer uma morte expiatória e vicária. Era necessário mais alguma coisa. Não podia quedar-se numa condição de vencido pela morte. Tinha que a vencer a ela.

Podia simplesmente ter evitado morrer. Não provaria assim ser mais forte do que a morte? Essa morte que é o limite do poder de todos os homens? Esse inimigo invencível?

Não. Só a podia vencer se a enfrentasse no terreno dela. E foi justamente isso que aconteceu. Jesus, o Cristo, permaneceu três dias no reino dos mortos e depois venceu a própria morte, esse inimigo invencível de todo o ser humano.

Lucas, o médico, explica o porquê da Ressurreição. É que Jesus Cristo era grande demais para poder ficar preso no mundo das sombras: “não era possível que fosse retido por ela (a morte)” (Actos 2:24).

É isso que o apóstolo Paulo reafirma aos coríntios. Cristo morreu para assim poder vencer a própria morte, em nosso lugar, como primícias dos filhos de Deus: “Tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” (1 Coríntios 15:54,55).

Ou seja, Jesus morreu porque sim. Porque não havia outra forma de vencer o poder da morte e das trevas.

Se, como diz a Escritura “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23), então Ele – não sendo pecador – venceu a morte para nos abrir caminho à vida eterna, a nós, pecadores, mas pecadores redimidos pelo Seu sangue, o qual nos “purifica de todo o pecado” (1 João 1:7).

Nunca esqueçamos que “o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 6:23).

Tenha uma excelente Páscoa.

 

José Brissos-Lino

no dia da Sua morte

hoje os cordeiros sentiram calafrios
no leite materno, beberam
os trigos o orvalho do chão
inclinando as espigas
hoje o sol abrandou
o seu ímpeto de fogo
e cedeu
a angústia pesada das pedras
dos sepulcros
hoje neste dia desigual
todas as mães sentiram
estremecer o útero
porque na cruz
uns olhos bordados de doçura
sucumbiam.

© João Tomaz Parreira

Refugiados muçulmanos: uma oportunidade histórica

Segundo um site cristão (“Noticias cristianas”):

En Alemania, cientos de refugiados musulmanes están encontrando a Cristo en una iglesia de Berlín. La Iglesia Evangélica Trinidad ha aumentado de 150 a 600 miembros en sólo dos años, y muchos son musulmanes que huyeron de Irak, Irán y Afganistán.

Mohammed Ali Zonoobi, un refugiado iraní, fue bautizado recientemente. “Siento que he nacido de nuevo”, sollozó.

Muchos de los refugiados buscan asilo en Alemania y convertirse al cristianismo puede aumentar sus posibilidades de mantenerse. Pero si son enviados de regreso a sus países de origen su nueva fe puede llevarles a ser perseguidos e incluso morir por haber dejado el Islam.

El pastor de la iglesia dice que cree que el poder de Cristo está cambiando sus vidas. “Yo sé que a veces la gente también viene aquí porque su esperanza es que se les conceda el estatus de asilo”, dijo. “Invito a estas personas porque creo que venir aquí puede cambiarlos, a pesar de su motivación original para hacerlo”.

El pastor Martens dijo que sólo alrededor del 10 por ciento de los bautizados no regresa.

Ou seja:

  1. Centenas de refugiados muçulmanos vindos do Iraque, Irão e Afeganistão estão a converter-se à fé cristã, na Alemanha.
  1. Quem conhece os desígnios de Deus? Os seus caminhos são mais altos do que os nossos.
  1. A intenção dos refugiados é regressar ao país de origem. Só cerca de 10 por cento não regressam.
  1. Se os cristãos receberem os refugiados muçulmanos com sete pedras na mão, não ganharão um único para Jesus.
  1. A partir daí, tudo quanto esses mesmos cristãos dizerem sobre a janela 10/40 e a evangelização dos muçulmanos será pura hipocrisia, ditada pelo medo, talvez, mas ainda assim hipocrisia.

Valia a pena meditar nisto.

A razão das harpas estarem nos salgueiros no Salmo 137 (inédito de J.T.Parreira)

RIVERS (2)

E se eu cantar quizer
Em Babylonia sujeito,
Hierusalem, sem te ver,
A voz, quando a mover,
Se me congele no peito;

Luis de Camões

Ao longo de séculos de hermenêutica, de mimésis e criatividade poética (Camões ou San Juan de la Cruz) sobre o Salmo 137 – na Septuaginta indicado como da autoria de David -, não chegamos a descobrir  a verdadeira razão que está diante dos nos nossos olhos no verso imortal “Nos salgueiros que lá havia (na Babilónia) pendurávamos as nossas harpas”  Porquê?

Levou-se tanto tempo a pensar que as harpas nos salgueiros eram como frutos que estiveram sempre lá, ou porque os hebreus perderam a inspiração,  a Fé, a religiosidade judaica, a destreza da criatividade musical, ou por uma razão meramente social, porque estavam a fazer greve de zelo contra os opressores.

Mas as harpas estavam penduradas quando eram preciso que estivessem.

Não vou pendurar-me na discussão do tempo verbal – o pretérito imperfeito-, mas sim, na atitude resultante do pedido profano dos babilónios. A expressão de uma consequência inevitável.

A razão está no próprio texto poético do salmo:

“pendurávamos nossas harpas (…) pois (ou porque) os que nos levaram cativos nos pediam canções”.

Do ponto de vista da teologia do Velho Testamento, está aqui espelhado o exclusivismo judaico, a rejeição da mistura, da aculturação no plano religioso.

No campo da sintaxe,  quer nas versões em português, quer no grego  (óti, no início do verso 3 da referida Septuaginta)  ou no hebraico,  a conjunção “porque” está a ligar a frase e a justificar  a acção precedente.

Mas os cânticos de Sião eram sagrados, e se entoados, seriam o canto do Senhor em terra estranha.  E o respeito pelas coisas sagradas,  jamais poderia conduzir os hebreus  a conspurcar o  Nome de Deus nas terras do exílio.

Em última análise, poderemos aceitar que se tratou de uma greve de zelo espiritual, por causa da beleza santificada dos Cânticos.

© J.T.Parreira

Abaixo o combate natalício

image_7093_1_1353933525

 

 

Pessoalmente não tenho qualquer problema com a figura mítica do Pai Natal. Há cristãos que nunca entenderam a oração sacerdotal de Jesus (“não peço que os tires do mundo”) e continuam a querer viver numa sociedade asséptica, isenta de cultura humana, seja ela qual for. Esse mundo é virtual, ilusório. Não é possível viver entre os homens sem influências culturais. Nem possível nem desejável.

Jesus Cristo não veio mudar as culturas humanas, veio mudar o coração dos homens.

Acho ridículo querer armar um ringue de boxe com o Pai Natal de um lado e Jesus do outro, em posição de combate. Acho ridículo que se diga que o primeiro está a roubar o lugar do segundo. Ridículo. Como se houvesse alguém no mundo que fosse capaz de roubar o lugar que pertence ao Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Como se o Salvador estivesse preocupado com uma figura inexistente no mundo real.

Ninguém com juízo tem medo da sua sombra, quanto mais de uma figura mítica, que só existe no imaginário infantil.

É tempo de crescer, amadurecer e deixarmo-nos de coisas de criança.

 

O que Chesterton, C. S. Lewis e Rubem Alves tinham em comum?

 lápices de colores

 

 

“Ao final de nossas longas andanças, chegamos finalmente ao lugar. E o vemos então pela primeira vez. Para isso caminhamos a vida inteira: para chegar ao lugar de onde partimos. E, quando chegamos, é surpresa. É como se nunca o tivéssemos visto. Agora, ao final de nossas andanças, nossos olhos são outros, olhos de velhice, de saudade”. (Rubem Alves)
A frase acima poderia ter vindo direto do livro de G. K. Chesterton, “Ortodoxia”, em que o autor começa com a história de um peregrino que sai a nado da Inglaterra e quando chega aonde acha que queria chegar, descobre que simplesmente deu a volta à ilha e chegou ao ponto de onde partiu.Assim somos nós, educadores. Não que andemos em círculos, mas que estejamos sempre em movimento e sempre nos movendo em direção a uma familiaridade maior com o que sempre foi assim e muitas vezes não percebemos.

Poderíamos resumir o pensamento de Rubem Alves aqui com o versículo eclesiástico que diz que “não há nada de novo debaixo do sol”. Mas isso poderia dar uma ideia errada do que o filósofo-teólogo parece querer dizer. Ser educador é uma das profissões em que mais somos confrontados com novidades: principalmente no que diz respeito às tecnologias da educação.

Mas quero crer que as grandes verdades em torno da educação sejam permanentes e universais. Chesterton dizia ainda mais que deixou de lado os contos de fada que ouvia de sua ama na infância em certa idade, mas que voltou a eles depois de certa altura, quando descobriu que as verdades que aprendeu na universidade e com a experiência estavam todas lá, nesse tipo de história.

Além de andarilho, em busca de verdades que já conhecia, mas de que havia se esquecido, Rubem Alves foi um educador contador de histórias. Ele era mestre em usar a metáfora e o exemplo como meio educacional.

Ele não teorizou muito sobre as histórias e sobre a educação, mas combinou ambas, contando histórias sobre a educação, de uma maneira única. E nessa combinação cabiam todos os assuntos: vida, alegria, esperança, liberdade, amor, pois todas têm a ver com a educação, no seu sentido mais amplo.

Lendo nas entrelinhas de qualquer uma de suas histórias (o que ele urgia que o leitor fizesse muito mais de que se ater ao sentido literal dos textos que lia), é possível encontrar sua concepção de educação que mais se aproxima da ideia antiga greco-judaica de “Paidéia”, que envolve o ser humano na sua integralidade e de uma utopia holística e dialética, do que de qualquer conceito moderno.

Ele também se aproxima da arte e das artes liberais, com seu currículo do “trivium”, que são as ferramentas da educação (retórica, dialética, gramática) e seu “quadrivium”, que são as disciplinas propriamente ditas. Usando uma imagem popular: ele não dava o peixe, mas a vara para pescar.

Mas o que é mais importante para nós, cristãos, é que ele aproximava educação não apenas com psicologia e filosofia, mas também com teologia, em frases memoráveis como:

“Deus existe para tranquilizar a saudade”.

Isso por sua vez lembra muito C.S. Lewis, que falava com frequência da saudade e do desejo que temos no fundo do coração, por Deus e pela alegria que Ele proporciona e que o buraco que temos no coração tem os contornos precisos de Cristo.

G. K. Chesterton, C. S. Lewis e Rubem Alves, esses contadores de histórias (e educadores) itinerantes dizem coisas das quais a gente exclama: “Bem que eu já sabia disso, mas será que poderia ter sido mais bem formulado e expresso?” E para isso, apelam para o uso da imaginação, que é uma das mais poderosas dimensões da formação humana, disponível ao educador.

Podemos dizer que eles completaram a jornada, deixando saudades, mas chegando precisamente onde queriam chegar: na origem e consumação de tudo.

Fonte: Gabriele Greggersen, Ultimato.

A Esperança é uma coisa tramada mas a Fé é pior

Esperança

 

A esperança é uma coisa tramada. A capacidade de saber esperar (ser esperançoso) é que nos leva a evitar cometer uma série de asneiras.

O passageiro não pode ter a certeza se o autocarro vem ou não, mas não deixa de o ir esperar na paragem, porque habitualmente ele passa ali naquela hora.

O agricultor, no acto de semear, não pode ter a certeza de que, no devido tempo da colheita consiga recolher o fruto da semente lançada à terra, mas não deixa de proceder à operação da sementeira na esperança de mais tarde vir a colher.

À partida, no momento em que tem consciência de ter engravidado, a mulher não sabe ao certo se tudo correrá bem e ao fim do tempo normal da gravidez dará à luz uma criança, ou se esta virá com viva e saúde. Mas espera por isso.

O passageiro, o agricultor e a mulher vivem de esperança. Se não fosse assim não esperavam pelo autocarro, não semeavam a aguardar o fruto e não esperavam o nascimento duma criança. Por isso digo que a esperança é tramada. Porque nos faz acreditar sem ver, o que vai contra fundamentos da razão humana tão estruturantes como a experiência e a verificação.

O cristianismo define a Esperança como uma das três grandes virtudes teologais, juntamente com a Fé e o Amor (1ª. Coríntios 13:13).

Mas se a Esperança é tramada, a Fé ainda é pior. Porque nos leva ao ponto de até crer “contra a esperança”. Isto é, contra aquilo que é lógico, expectável ou razoável que venha a acontecer.

Foi o caso de Abraão. A Bíblia diz que “em esperança, creu contra a esperança” (Romanos 4:18). Ou seja, o patriarca foi capaz de desenvolver capacidade de esperança (acreditar que Deus lhe daria um filho) contra aquilo que era expectável, uma vez que a mulher já não menstruava há muito, não podendo gerar filhos por já não ser fértil.

Esta é uma definição de fé fantástica. Crer contra aquilo que é razoável esperar.

Esperar o que é expectável pode ser esperança mas não é fé. Embora ambas arrisquem o salto no escuro, em diferente medida, mas a verdade é que a fé é muito mais “louca”.

S. Paulo chama “loucura” à pregação da fé (1ª. Coríntios, 1:21), não pela pregação em si mas pela fé que a impulsiona e lhe dá sentido, e porque desafia os que a ouvem a um salto de fé – o tal salto no escuro – num espaço espiritual que só a fé pode iluminar e não a razão.

O apóstolo dos Gentios sabia que a pregação da fé confunde os sábios deste mundo, que consideram o terreno da fé como loucura, por estar para lá do seu entendimento, sendo que a sabedoria dos homens considera loucura e anátema tudo quanto se situa fora do seu quadro racional. Apesar de tudo já a sabedoria popular e mesmo algumas das cabeças mais brilhantes nos recordam que “de são e de louco todos temos um pouco”.

Abençoada é esta loucura para quem a experimenta.

 

José Brissos-Lino

Palavras perdidas (1383)

“Uma coisa bem natural: querer saber como se relacionou Jesus com a sexualidade. Uma questão que foi por séculos tabu. Até metia medo pensar nisso. Por um lado, afirmava-se que Jesus é verdadeiramente homem, mas, logo a seguir, nem pensar em sexo quando se falava dele. Praticava-se o docetismo, uma heresia que afirmava que Jesus tinha aparência de homem, mas, verdadeiramente, era outra coisa: apenas parecia um homem.”

(Anselmo Borges, DN)

Trinta dinheiros

Euro_coins_and_banknotes

 

Ainda hoje acontece que alguns jovens que cresceram numa comunidade cristã, quando encetam a sua vida profissional sofrem a tentação de disfarçar a sua identidade religiosa. Já vi isto acontecer várias vezes.

Ao ser eventualmente confrontados com questões ligadas à fé, ou não têm capacidade apologética ou escolhem o caminho mais fácil, ou seja, fingir que não são cristãos.

O problema é que, sem saber, estão a caminhar em contracorrente com a História. Primeiro porque dos fracos não reza a mesma. Depois, porque há hoje um regresso à religião e à espiritualidade em todo o mundo.

Dois editores da prestigiada Economist desenvolveram uma exaustiva investigação e concluíram que se trata de um fenómeno global (“O Regresso de Deus”, Quetzal, 2010). Depois da falência do capitalismo (que é como quem diz, do materialismo) e das ideologias, observa-se agora um voltar à fé. Recomendo a obra a todos os que se sentem constrangidos na preservação da sua identidade cristã e cedem à aparente facilidade da fuga espiritual.

Geralmente costumo perder o respeito por quem claudica com esse tipo de cedências. Salvaguardadas as devidas distâncias, fazem-me lembrar os convictos jovens de extrema-esquerda (MRPP e outros) do Verão Quente de 1975, que acabaram por se aconchegar nos grandes partidos do arco da governabilidade (como agora se diz) a fim de tratarem da vidinha e hoje são os maiores direitistas.

Venderam-se por trinta dinheiros.

Pior. Ainda não entenderam que as pessoas respeitam quem tem convicções fundamentadas, pois é disso que o mundo precisa. De gelatina filosófica, ideológica e religiosa estão eles fartos.